Aldo César Cavalcante Guimarães
Analista de Controle Externo-TCE PA
Os Tribunais de Contas podem, sim, ter suas próprias procuradorias e isto porque, embora não tendo personalidade jurídica as Cortes de Contas têm, contudo, capacidade processual para estarem em juízo em seu próprio nome. Essa capacidade, atenção, só pode ser exercitada quando na defesa de suas competência constitucional, de suas prerrogativas funcionais e de seus membros e de direitos próprios inerentes a instituição, nunca em feitos que afetem diretamente os créditos e interesses da fazenda pública, pois para estes a legitimidade é da procuradoria da pessoa jurídica de direito público, o Estado.
As Cortes de Contas, como já adiantado, não possuem personalidade jurídica e, sim, personalidade judiciária, que é a capacidade em ser parte em um processo, de postular em juízo. É possível ter personalidade judiciária sem ter personalidade jurídica, sendo exemplos o condomínio, o espólio e a massa falida (não tem capacidade jurídica, mas tem capacidade postulatória ou seja, podem postular em juízo em defesa de seus direitos).
Na defesa de suas competências e prerrogativas os TC´s podem se deparar com duas situações: a) mandado de segurança; b) conflito quando o TC e o outro pólo da relação são representados em juízo pelo mesmo órgão.
Quanto ao mandado de segurança, modernamente o entendimento é o de que o sujeito passivo é a pessoa jurídica de direito público (Estado) ou aquela que maneje poderes estatais e a autoridade apontada como coatora (TC) teria apenas o dever de informar. Leciona a iminente Lúcia Valle Figueiredo: “No mandado de segurança, a autoridade coatora [TC] faria o mesmo papel que o Ministério Público na ação penal. Seria parte processual, mas não parte no sentido material, porque, no sentido material, o sujeito passivo no mandado de segurança é a pessoa jurídica de direito público.”
Acresce que o STF já admitira, em outra oportunidade, a possibilidade de o TC integrar diretamente a relação processual, no âmago de sua competência privativa, ao reconhecer ao TC “legitimidade para recorrer, como autoridade coatora, em processos de mandado de segurança, sobretudo quando atuam na defesa de sua competência constitucional.” (RE 106.923-6)
O TC pode ainda ser sujeito ativo, ou seja, autor em MS quando, face a ato ilegal, tiver de defender o exercício de sua própria função. O precedente que pacificou definitivamente a jurisprudência é do saudoso ministro Aliomar Baleeiro:
“Mandado de segurança impetrado pela Presidência do Tribunal de Contas contra atos do Governador e da Assembléia Legislativa, ditos ofensivos da competência daquele Tribunal. Legitimidade ativa. Órgão Público despersonalizado e parte formal. Defesa do exercício da função constitucionalmente deferida ao Tribunal de Contas. Poder jurídico, abrangido no conceito de direito público subjetivo. Mandado de Segurança cabível.”
Na outra situação, em que ambos os pólos da relação processual são representados em juízo pelo mesmo órgão (Procuradoria Geral do Estado), a jurisprudência vem admitindo que o TC seja representado por assessor ou procurador jurídico devidamente habilitado, ou por advogado especialmente contratado para tal fim.
Na situação acima referida, é exemplificativa a ocorrência da situação em que o Poder Executivo não efetua o devido repasse de recursos ao TC, não respeitando assim a autonomia financeira da Corte de Contas. Neste caso cabe ao TC a propositura da ação pertinente para a preservação dos direitos que lhe são próprios, ocasião em que se reconhece a capacidade processual (personalidade judiciária).
Outra situação exemplificativa, mesmo não havendo representação por um mesmo órgão, foi a decidida pelo STF no caso de conflito de competência que se esboçou entre o TCU e o TCE-RJ. O STF deferiu mandado de segurança impetrado pelo TCE-RJ, contra decisão do TCU que proclamara ser de sua exclusiva competência a fiscalização da aplicação dos recursos recebidos a título de royalties, decorrentes da extração do petróleo, xisto betuminoso e gás natural, pelos Estados e Municípios. O STF considerou ser de competência da Corte de Contas Estadual, e não do TCU, a fiscalização da aplicação dos citados recursos, dirimindo conflito nos quais os TC´s envolvidos buscavam a defesa de suas competências e prerrogativas. O TCE-RJ foi representado judicialmente por sua procuradoria.
A Procuradoria-Geral do Tribunal de Contas do Estado do Rio de janeiro - pioneira no país - foi criada pela Emenda Constitucional nº. 12, da Constituição do Estado (art.111), com atribuições de consultoria jurídica, supervisão de serviços jurídicos e representação judicial do TC, nos moldes da Procuradoria-Geral da Assembléia Legislativa do Estado (art. 121, CE e LC nº. 15/80)
A Procuradoria-Geral do TCE-RJ foi devidamente regulamentada pela Lei Complementar 94, de 24.10.2000, e pela Resolução TCE/RJ nº. 227, de 14.12.2000 e tem quadro próprio, de carreira, sendo os procuradores recrutados em concurso público, específico.
Cabe à Constituição dos Estados, por competência delegada pela Carta da República (art. 75 § único), dispor sobre seus respectivos tribunais de contas, aí incluída a faculdade de criar a sua própria procuradoria com poderes ad judicia. Portanto, a Procuradoria do TCE-RJ tem berço constitucional, ainda que promanado de Poder Constituinte derivado.
Em resumo, as Cortes de Contas são órgãos do Estado, possuem personalidade judiciária e não personalidade jurídica, o que não lhes retira a independência que foi outorgada pelo texto constitucional. As Cortes de Contas podem litigar em juízo, nas chamadas lides interna corporis, ou seja, tanto naquelas demandas oriundas das divergências entre os poderes do Estado, como também em outras onde estejam em foco o interesse constitucional que lhes foi outorgado defender.